domingo, 21 de dezembro de 2008

Festivale - Festival de Teatro do Vale do Paraíba - Fundação Cultural Cassiano Ricardo
Crítica dos espetáculos
Espetáculo: SENHORA DOS AFOGADOS
“SENHORA DOS AFOGADOS”
DE NELSON RODRIGUES.
- UM MUSICAL ?
- SIM! UM BELO MUSICAL
Depois que Antunes Filho abriu as portas às leituras várias de Nelson
Rodrigues, retirando-o do modorrento realismo que engessava sua obra, em meados da
década de oitenta, todos os caminhos estão sendo refeitos na procura da estonteante
riqueza do autor.
Senhora dos Afogados, escrito da fase mítica, é atualmente encenada em
várias versões nos palcos paulistas e nacionais. O espectador preguiçoso que tenha
vivenciado a montagem recente realizada no Teatro do SESC, de nosso famoso diretor
Antunes Filho, poderá pensar que não há mais o que retirar das águas caudalosas das
tragédias do autor carioca e muitos menos de Senhora. Ledo engano, reservem seus
ingressos e corram para ver uma nova leitura conceitual de Senhora dos Afogados, agora
em versão musical, assemelhada aos grandes musicais norte-americanos, mas que navega
em novas ondas.
A propositura cênica aparenta ser uma heresia do diretor e cenógrafo Zé
Henrique de Paula apoiado pela diretora musical Fernanda Maia. Afinal tratar o
inconsciente coletivo e os mitos ancestrais no contra-plano da melodia romântica
equilibrada, afasta o repugnante da platéia, como o queria o autor carioca. No espetáculo,
de forma um tanto delicada, apoiados em Chico Buarque de Holanda, Milton Nascimento,
Djavan, a concepção desenha um discurso paralelo que dialoga, contrapontua e harmoniza
com polifônico trágico nacional proposto. Este procedimento diminui as grandes tensões
dramáticas inseridas em ponto maior pelo texto original. Esta perspectiva definida pela
direção fica evidente na interpretação da avó, que apresenta uma loucura um tanto
domesticada ou delicada, se olharmos a intensidade sugerida pela doçura de muitas das
músicas de nossos cantores nacionais. Foge o diretor do grotesco rodrigueano caminhando
por Robson Camargo
Festivale - Festival de Teatro do Vale do Paraíba - Fundação Cultural Cassiano Ricardo
em outras metades. Como nos esclarece o diretor, as dez músicas inseridas acentuam o
“caráter lírico. As músicas atuam como porta-vozes dos desejos e fluxos de pensamento
dos personagens e ganham novos significados quando costuradas à ação dramática". No
estilo brechtiano rompe a cena para acentuá-la, não para estranhá-la, destacando na lírica
cantada as paixões representadas.
Esta história é contada por um competente elenco de 21 atores e atrizes em
cena e se concentra no desabrochar das paixões humanas, se apoiando às vezes
singelamente ainda no universo pictórico do norueguês Edvard Munch, tentando pontuar
uma montagem mais simbólica que expressionista. Não é um grito, é mais o lado
impressionista de Munch. É muito interessante ver sob esse prisma a polifônica obra de
Nelson, apoiada por um elenco de lindas vozes e cantos, numa montagem que acentua as
ações do elenco e estabelece diálogos nunca dantes navegados, com a nossa canção
massificada. Uma interessante montagem que pode ser vista em nosso Festivale. Convido a
todos a perceberem esta correta e instigante montagem de “Senhora dos Afogados” e a
qualidade da interpretação de João Bourbonnais, que inscreve com qualidade mais um
Nelson em tantos Nelsons que cruzam o país. Uma experiência instigante de ser ver, nesta
forma a obra de um grande autor, acompanhados pela linda concepção e pela qualidade da
representação.
Robson Corrêa de Camargo
robson.correa.camargo@gmail.com
Professor da Universidade Federal de Goiás. Encenador e crítico teatral. Doutor em Artes
Cênicas pela USP com o trabalho “ Espetáculo do Melodrama”. Trabalhou na Folha de São
Paulo e Jornal Movimento. Leitor crítico dos espetáculos do Festival Internacional de Rio
Preto (2008). Membro do Conselho Editorial das Revistas Karpa (Califórnia State) e
Moringa (UFPb). Tem publicações nas revistas Gestos, Journal of Beckett Studies, Revista
Fenix, etc. Coordena o grupo Máskara de Pesquisa em Performances Culturais e a
Comissão Assessora de Teatro do MEC/SINAES.

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